No último semestre na Uerj fiz uma disciplina chamada Infância e Cultura. Na ocasião a Professora solicitou que cada estudante fizesse um resgate de memórias da infância, de algum objeto, lugar ou situação e escrevesse uma carta para esta memória. De imediato me lembrei do meu objeto favorito que me acompanhou durante muito tempo e escrevi o seguinte texto:
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Olá meu querido amigo “Taldinho”! Faz tanto tempo que não nos falamos, não é mesmo? Lembro-me de você com saudade, pois era o meu objeto e companheiro favorito. A minha fralda que me acompanhava sempre quando eu chupava o dedo.
Você se lembra quando nos encontramos pela primeira vez? Essa memória me foge, pois até onde eu consigo compreender e o que me foi dito pelos meus pais é que desde o meu nascimento eu chupava o dedo polegar da mão direita. Esse hábito me acompanhou por tanto tempo e você estava ao meu lado na maioria das vezes. O calo que se formou em meu polegar direito devido ao hábito antigo se desfez com o passar do tempo. Pouco a pouco a pele voltou ao seu estado normal e os meus dentes não tiveram nenhum tipo de sequela, mesmo que o meu antigo hábito tenha me acompanhado por muito tempo.
Meu amigo, você foi imprescindível para o meu desenvolvimento durante a minha infância. Hoje compreendo que foi meu objeto transicional, responsável por auxiliar minha adaptação aos ambientes diversos. Você me transmitia segurança, eu - aquela criança tímida que chorava quando percebia que estava em evidência. Mas era você que estava ao meu lado fazendo com que eu me sentisse melhor diante das situações adversas.
Nós éramos inseparáveis. Você, aquela fralda de tecido flanelado enorme e que se arrastava pelo chão enquanto eu o segurava com minha mão direita e chupava o meu dedo polegar, lembro que deixava uma pontinha de sua extremidade que perpassava a minha mão fechada que te segurava firme e essa pontinha servia para acarinhar a parte superior dos meus lábios.
Aos olhos dos adultos você estava sempre sujo, mas para mim não, pois quanto mais nos relacionávamos mais você se tornava perfeito aos meus olhos. A minha mãe cismava em te lavar e tirava o seu cheiro característico. Era muito sofrido quando isso acontecia, pois demorava muito tempo para você se transformar em você novamente, com os cheiros e texturas que só você conseguia ter.
Na medida em que fui crescendo, sofremos várias ameaças de separação, lembra-se disso? Eram momentos aterrorizantes! Meu pai não gostava que eu continuasse chupando o dedo, pois eu já “era grande”... Imagina só? Eu ainda tinha 4 ou 5 anos, eu era criança e chupar o dedo era essencial, pois me acalmava, me ajudava a dormir, me trazia aconchego. Foi um processo tão difícil romper com esse hábito.
Meu amigo Taldinho, diante de todas essas lembranças não consigo recordar o exato momento em que nos separamos de fato. Para onde você foi? O que aconteceu com você?
Estou te escrevendo e tentando elaborar essas questões, mas não consigo encontrar as respostas. A ruptura aconteceu, eu cresci, hoje sou uma mulher adulta e faz muito tempo que superei o hábito de chupar o dedo, mas a memória me trai quando tento conceber a lembrança de sua partida.
Talvez minha memória tenha me protegido durante todo esse tempo, apagando tal lembrança para me poupar de reviver o sofrimento causado pela sua ausência.
Mas quero deixar registrado nesta carta o quanto você foi importante para mim durante tanto tempo. Não te esqueci, pois o que é verdadeiro fica guardado no coração, como diz Adélia Prado, “o que a memória ama, fica eterno”.
E você foi único e eterno para mim.
Um cheiro e um abraço!
Com carinho,
Eliana
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Foi uma experiência gratificante realizar este exercício de escrita. Revisitar essas memórias na ocasião em que escrevi esta carta me possibilitou um momento de felicidade. Acredito que cada um de nós carrega memórias de uma infância vivida e em dado momento vale a pena recordá-las.